Salve Jorge (Mario Bergoglio) !

"As angústias e esperanças do Povo devem ser compartilhadas pela Igreja". Esta é a primeira frase do prefácio de dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito metropolitano de São Paulo, em "Brasil: Nunca Mais", coletânea de relatos contundentes, registrados para a história, numa publicação que descreve a tortura como o crime mais cruel e bárbaro contra a pessoa humana. "Confiamos que esse livro, composto por especialistas nos confirme em nossa crença no futuro", continua o texto, três páginas, assinadas em três de maio de 1985, quando o Brasil, pelo menos, oficialmente, já estava sob um governo civil, o de José Sarney, escolhido num colégio eleitoral junto com Tancredo Neves, que morreu antes de assumir o cargo de presidente do Brasil, resultado da eleição pelo Congresso, eleito em 1982, através do voto popular, mas ainda sob o regime militar.

Regime militar mais objetivamente tipificado como ditadura, ditadura sangrenta, da pessoa que vira rato nas garras da águia, quando em países como o dos nossos irmãos argentinos, que agora encontram um compatriota, crítico à presidenta argentina Cristina Kirchner, na disputa pela massa populacional católica e não-católica e pelo espólio do peronismo, agora no cargo de bispo de Roma. Salve Jorge! Ele se chama Jorge Mario Bergoglio. Ele é o Papa Francisco, que de arcebispo de Buenos Aires foi alçado ao título de chefe da Igreja Católica, umas das instituições mais poderosas do Planeta, e que tem um lastro econômico e financeiro incalculável, até porque o sigilo da instituição é rígido. Aliás, segredo, no mundo da Igreja Católica é atração turística. Está no pacote. Permeia a instituição de brumas que envolvem o imaginário das massas humanas numa Itália sacudida por uma suposta crise financeira na zona do euro, mais especialmente nos países latinos. A Igreja Católica, do ponto de vista institucional, também pode estar mergulhada até o pescoço na crise que varre a Europa desde a segunda metade da década passada. Ou estaria se beneficiando do fato de, muito além do território do Vaticano, possuir terras por todo o mundo, especialmente no Brasil, mas quase sempre em algum lugar bem pertinho de você.

Crise? Imobiliária? Crise imobiliária?

Salve Jorge. Jorge Bergoglio, anunciado nas agências internacionais e majoritariamente no noticiário brasileiro como azarão, mas que teria saído do colégio eleitoral de cardeais católicos romanos como o nome menos rejeitado pela maioria entre os bispos reunidos em Conclave, conchavando dentre as paredes do Vaticano. Conchavo que vinha sendo feito desde que, em 2005, ele teria sido o segundo menos rejeitado na sucessão do Papa João Paulo II, Karol Józef Wojtyła, o papa polonês, que assumiu após o breve mandato de João Paulo I, italiano muito "sorridente" morto uns 50 dias após iniciar seu pontificado. A articulação teria continuado pelo menos entre a periferia da Igreja, até que a fumaça ficou branca e já não tinha mais volta. O papa jesuíta, ou o "papa negro", porque os jesuítas usavam roupas escuras e também se misturavam com os nativos das colônias, é muito menos aquele jesuíta que pode imaginar alguém que viu o filme inglês "A Missão", de 1986, com Robert De Niro e Jeremy Irons, ou acompanhou o advento da Teologia da Libertação, adotada por "dez entre dez" estudantes de Teologia no Brasil dos anos da ditadura, ops, regime militar brasileiro.

Não. Este jesuíta que ora assume a Igreja é apenas a primeira liderança que vem de fora dos quadros do poder Central, que continua sendo a Cúria, instituição suprema do Vaticano, do País Vaticano, que, pregando ou não o "Senhor", possui instituições que cobram seus clientes com dívidas em atraso, como qualquer outro banco faz. Mesmo que este banco tenha nome de Instituto para as Obras de Religião, como é o da "S.A." que cuida das contas da instituição Vaticano, sob a influência da Companhia de Jesus, um dos maiores e melhores sucedidos negócios da história, pois é uma empresa, a mesma que tem ramificações em todo o mundo (Peru, Holanda, Filipinas, África...) e que mantém negócios, ou empreendimentos, tais como a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro ou a Católica do Pernambuco. Depois de chegarem ser banidos da Igreja, os jesuítas, "soldados do papa" foram sendo aceitos e teriam ficado responsáveis pela educação das classes dominantes. Daí a quantidade de colégios jesuítas espalhados pelo mundo.

Mas antes disso, a Companhia de Jesus simplesmente foi a empresa que financiou a ocupação da América por cristãos nos últimos 500 anos. Também foi a Companhia de Jesus que comandou os jesuítas "soldados de Cristo" que se organizaram em missões por todo o mundo, da Jerusalém velha de guerra, ao "fim do mundo", como disse Bergoglio, agora um Francisco, como foi o Francisco Xavier, um empresário que ajudou fundar a Companhia de Jesus e que também é santo reconhecido pela Igreja, mas viveu em outra época que não a do São Francisco de Assis, que abandonou tudo para se dedicar aos pobres e proteger os animais dos maus tratos e que inspira o marketing de Bergoglio, ou da Igreja, ou da Cúria, enfim, amplamente abraçado pelas correntes, desde as mais "radicais", como do ex-padre brasileiro Leonardo Boff, até aos mais conservadores e reacionários. Franciscano. Ama os pobres e protege a natureza. Assuntos da ordem do dia. Em tempos de superpopulação e aquecimento global. Agenda.

Salve Jorge! Salve Jorge Mario Bergoglio. Salve São Francisco Xavier, ou Salve São Francisco de Assis, ou salve aos outros quase vinte "São Franciscos", homens que, ao longo da história, também foram reconhecidos como santos pela Igreja agora comandada pelo ítalo-argentino Bergoglio, que nem estava assim tão lá no fim do mundo, como disse que estava ao apresentar-se à multidão na Praça de São Pedro. Amparado pelo baixo clero dos cardeais romanos, mas já com apoio dos altos cardeais brasileiros, como o próprio Dom Odilo Scherer, ou Dom Raymundo Damasceno e Dom Cláudio Humes (emérito de São Paulo), que controlam algumas das maiores arquidioceses do mundo, Bergoglio arrasou o "candidato oficial" da Cúria, Angelo Scola, bispo de Milão. Isso. Não o de Aparecida do Norte, o de Milão.

Muito bem treinado, midiático, mas espontâneo, Bergoglio era tudo que a Igreja queria. Sem a pompa do papa alemão Joseph Ratzinger, o Bento XVI, que não combinava tanta ostentação com tanta apatia, o novo papa fala espanhol, fala português, fala italiano, sem precisar ler a cola. Pode improvisar em qualquer uma das línguas latinas e ainda deve falar um bom francês e um bom de um inglês se precisar. Mas outras línguas, assim como a bandeira polonesa, nunca mais deixaram o Vaticano. Porém o Papa Francisco fala num misto de espanhol com italiano que intercala e já forja um novo latim. Bem, ele fala a língua da Igreja na França, Espanha, Itália, América Latina, parte dos Estados Unidos (que tem uma expressiva e crescente comunidade latina, tanto da América Latina, como de países latinos tais quais à Itália), o Canadá (que fala francês em metade de seu território), nas Filipinas (que fala espanhol e tem uma população gigante num fim do mundo muito mais longe de Roma que a Argentina) e em dois grandes, ricos e cheios de diamantes países da África, que são Angola e Moçambique.

A Argentina, país que tem um dos solos mais férteis e produtivos do Planeta (só existe algo parecido, em quantidade, na velha Ucrânia), é também um dos supostos esconderijos dos nazistas alemães e associados, foragidos, pós Segunda Guerra Mundial e de parte de seus segredos tecnológicos e filosóficos, latentes até nas cidadezinhas pacatas à beira da Cordilheira dos Andes. É a mesma Argentina que viu, mais perto de seu território, nos últimos dias, a saída de outra "fumaça branca", quando os moradores das Falkland (eu deveria chamá-las de Malvinas?), escolheram, através de um plebiscito, uma consulta à população (nada de colégio eleitoral) através do voto, ficar, em vez do Papa e da Argentina peronista, com as bênçãos da Rainha, esta outra "representante de Deus na Terra", segundo a Igreja Anglicana, e que estende até lá, ao "fim do mundo", os territórios do Reino Unido. Tão longe, tão perto.

Salve Jorge! Muitas coisas aconteceram nos últimos meses, nos últimos anos. O mais populoso e rico estado brasileiro, São Paulo, por exemplo, cuja capital foi fundada justamente pelos jesuítas, mas que também foi conquistado pelos Bandeirantes, acaba de liberar o casamento gay em todos os seus cartórios, sob uma orientação do Tribunal de Justiça do Estado. Isso mesmo. O Tribunal de Justiça, Poder Judiciário, mandou dizer que hoje todo Cartório de Registro de Casamento é obrigado a casar homem com homem e mulher com mulher, se assim quiserem os interessados em se casar. Medida que vai, inclusive, incrementar a renda dos cartórios, já que o casamento, "certinho", na Igreja e no Cartório, como antigamente, já não é mais tão usado assim pelos heterossexuais. Hora de ganhar dos gays? Talvez. Mas é um direito reivindicado e conquistado. E legítimo.

Mas o fato é que a discussão sobre o casamento gay foi uma das que levaram o nosso atual Papa e a presidenta (eles também têm uma!) argentina a baterem boca em público. Ela acatando em parte às reivindicações do Partido Solista, um dos vários de sua aliança governista, liberou o casamento gay e Bergoglio, o então arcebispo de Buenos Aires, o nosso hoje Francisco, franciscano, papa jesuíta "negro", mas até então Jorge Mario Bergoglio, lançou-se contra a presidenta: "As crianças adotadas por casais gays serão vítimas de preconceito". Pode ser. Mas de nenhum dos dois nada sobre o aborto. O que perguntar sobre o sacerdócio entre as mulheres? 

Para o atual Papa, o problema estava nas crianças criadas por casais gays. Mas e de casais heterossexuais também podem, por um milhares de motivos ser vítimas de preconceito, até mesmo se não tiveram a sexualidade respeitada. E as crianças sem pais nem mães? Como fica a responsabilidade da Igreja diante da superpopulação, diante da sexualidade aceita apenas enquanto manifestação meramente reprodutiva. Não é difícil que as lideranças religiosas estimulem a vinda de novos fiéis ao mundo. Vinde as criancinhas. Mas também é fácil ser conivente com a pandemia de aids que assola principalmente a África, o Leste Europeu e o Sudeste Asiático, ou nem tão longe assim dos territórios jesuítas mais perenes, em terras onde os lobos vestidos de pastores das igrejas já distribuem remédios como se fossem indulgências  para os "pecadores" de suas cabeças porque fazem sexo gay praticam a sodomia.

Salve Jorge, o Papa Francisco que defende o batismo de crianças cujos pais não se casaram na Igreja. Ótimo. Digno. Eles têm direito ao batismo. Mas se os pais são gays ele acha que não pode nem adotar. O que dizer então da camisinha? A camisinha, que a Igreja só libera entre casais sorodiscordantes, ignorando até mesmo a retransmissão do HIV entre casais soropositivos, não poderia ainda conter o surto populacional que dos Brics (Brasil, Índia, Rússia, China e África do Sul), do resto da África Subsaariana, América Latina, Leste Europeu, e Indochina, e que impede o sucesso de qualquer política pública de qualidade diante do crescimento desordenado da população. A ciência já provou isso. O Estado brasileiro está em disputa. Agora o Estado de São Paulo e um país inteiro, como a Argentina, tentam manter, dentro de um complexo de conveniências econômicas, ações que demonstram que quando gays têm autoestima eles não são potenciais suicidas. Eles cuidam da saúde e geralmente cuidam de cachorros como se fossem crianças, pois têm o desejo de cuidar do próximo e de serem cuidados e respeitados, mas esbarram na moral defendida pela Cúria Romana, que controla a Igreja permeada de escândalos sexuais e se lança publicamente contra a adoção de crianças por casais gays.

O diabo está no detalhe. Agora Adolfo Pérez Esquivel um arquiteto, escultor e ativista de direitos humanos argentino, agraciado com o Nobel da Paz no século passado, chegou desagravar a suposta inércia de Bergoglio diante da ditadura Argentina, a ditadura mais carniceira do Plano Condor, plano de ocupação cultural e econômica da América Latina pelos Estados Unidos que apoiaram amplamente os golpes militares nas democracias latinas da América na segunda metade do Século XX. Uma delas a pavorosa ditadura argentina. Ele, Bergoglio, o nosso Papa Francisco, alega, em sua defesa, que até ajudou padres a sobreviver ao apetite repressor da Argentina e que seu silêncio também era condição de sobrevivência. Mas o próprio Nobel argentino disse que Bergoglio estava longe de ser um crítico da ditadura como já chegou ser, por exemplo, do governo Kirchner, que expropria empresas privadas e mantém controle social da mídia e até da produção de papel.

Ratzinger, o agora emérito papa alemão, também teve seu passado ligado a episódios sombrios, como uma filiação à juventude nazista, mas à qual ele teria sucumbido por questão de sobrevivência, não se opondo ao regime nazista de Hitler e sobrevivendo até o fim da Alemanha Nazista, para depois chegar ao papado, e logo depois do polonês de quem ele tanto foi próximo, João Paulo II, o "papa pop" e sem dúvida, o mais pop de todos. João Paulo II, o anticomunista, no fim da Guerra Fria, foi atleta e o papa que viajou o mundo todo beijando o chão de onde descia e não o estudante da Química como o atual. Ele ignorou o Concílio do Vaticano II como Ratzinger, que antes de ser Papa puniu Leonardo Boff pela Teologia da Libertação. Bento XVI, o Papa intermediário, não era nem uma coisa, nem outra. Foi a sombra de João Paulo II. Era a Cúria que continua lá, usando de símbolos e arquétipos que pavimentam os caminhos da Companhia de Jesus, presente, muito presente em países onde há pouco tempo era possível comprar terras relativamente baratas, até cidades inteiras, como na Espanha e no Peru.

Salve Jorge (Mario Bergoglio) !

Cobri uma Assembleia Geral (AG) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em 1994, quando foi eleito presidente da entidade Dom Luciano Mendes de Almeida. Dentre outros bispos e cardeais, naquele evento, estavam lideranças e personalidades como Dom Paulo Evaristo Arns, que a gente se acostumou chamar de "Dom" porque ele representava mesmo autoridade. Porque a gente via no noticiário que ele ia "tirar presos políticos" da cadeia e denunciava a tortura.

Quando tive a inesquecível oportunidade de conhecê-lo, em 1994, às escadarias do Mosteiro de Itaici (Indaiatuba, interior de São Paulo), onde me sentei ao lado dele, me apresentei como o então repórter que era do jornal "Tribuna de Indaiá". As Assembleias Gerais da CNBB sempre aconteciam na Vila Kostka, um dos lugares mais bonitos que já conheci, e hoje utilizado para retiro espiritual. Em algum momento da conversa, e era no primeiro semestre do ano, ele contou que já tinha tirado da cadeia dois dos candidatos a presidente do Brasil naquele ano. Eu perguntei em qual deles Arns votaria. Ele sorriu, mas logo ficou sério e respondeu: "Precisamos continuar indo às cadeias para ver quem está preso e quem está solto neste país antes de decidir em quem votar ou não para presidente". Ele se despediu e foi para o carro que o aguardava. Hoje o entendo e posso minha expectativa com relação à Igreja ao primeiro parágrafo deste texto, que repito, para que não reste dúvida: "As angústias e esperanças do Povo devem ser compartilhadas pela Igreja".




Eli Fernandes, Jornalista

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