Em vários estados, principalmente Goiás e Sergipe, várias escolas estão sendo militarizadas, com gestões confiadas a oficiais militares, transformadas em quarteis, onde o medo se sobrepõe ao convencimento. No estado de São Paulo, nas manifestações e ocupações dos estudantes, o diálogo é cada vez mais substituído por cassetetes. Nos legislativos, desde os municipais até o federal, multiplicam-se projetos de leis que tentam restringir a discussão racional nas escolas, prevendo até mesmo criminalização dos professores que se atreverem a discutir política em sala de aula. Em todos os níveis, os parlamentares da bíblia e da bala avançam tentando impor seus projetos a toda a sociedade, através do aumento da repressão: proibições, restrições, criminalização dos movimentos sociais, redução da maioridade penal, retrocesso no estatuto do desarmamento, intervenção nos currículos escolares, com as proibições de discussão de temas polêmicos, reintrodução de estudos disciplinadores, como a Educação Moral e Cívica, historicamente de muita valia nas tentativas de justificação de regimes totalitários. Sem contar o que vem por aí, com um governo golpista que tem um programa neoliberal a ser implantado sem a legitimidade das urnas. Dilma foi acusada, com razão, de ter iniciado seu governo com um projeto diferente do que foi aprovado nas urnas. Agora, os golpistas querem nos fazer crer que isso tudo é besteira pois não há necessidade de urnas para se impor um projeto ainda mais nefasto, com ajuste fiscal pago pelos mais pobres, com drástica redução de salários e programas sociais.
Os iluministas do século XVIII nos ensinaram a confiar na razão como único instrumento de construção da verdade. O visionário jesuíta, evolucionista, Teilhard de Chardin, no século XX, mostrou-nos que a evolução universal se resume na criação de olhos cada vez mais perfeitos para ver. Será que essas convicções que já estamos acostumados a compartilhar, nos garantem que estamos “condenados” a ser racionais, do mesmo modo que Sartre afirmou que o homem está “condenado” a ser livre? A afirmação de Sartre se lastreia em sua premissa de que a existência precede a essência e, portanto, somos apenas o que decidimos ser. Quanto à racionalidade, as recaídas estão sempre presentes na história. Cabe a essa racionalidade buscar explicação para essas próprias recaídas. A questão é: o que leva as chamadas autoridades, de todos os tipos e níveis, a se demitirem da razão e fazer apelo à repressão, também de todos os tipos, para impor seus valores e interesses? E o que leva grande parte da população a aceitar essa demissão com assustadora naturalidade?
Em nossa vida cotidiana, estamos habituados a consumir produtos prontos, cada vez mais perfeitos na medida em que não exigem de nós um esforço maior do que passar o cartão de crédito e digitar a senha. Quanto mais automático, melhor. Por trás de cada produto, há sempre alguém encarregado de pensar por nós em reduzir nossos esforços para viver confortavelmente. Assim também funciona com os produtos intelectuais. As informações vêm prontas e acabadas, produzidas por quem pensa por nós. Diferentemente do que aparenta, o controle remoto tem mão dupla: do lado de cá, só mudamos canais, do outro lado há quem se aplique a mudar cabeças. Do lado de cá, sem maiores esforços, que o apelo à razão pode exigir.
Felizmente, esse mecanismo produtor de idiotas não é infalível. Frequentemente apresenta seus defeitos, nos momentos em que a realidade se impõe com todo o seu peso e sempre encontra reflexo em cabeças que não se deixam dominar, dos loucos e revolucionários. O incômodo apelo à razão, desestabilizador por si mesmo, torna-se então o instrumento para nos acordar do sono ideológico e dogmático.
É o que estamos assistindo também hoje no Brasil. Os talibãs avançam, carregando atrás deles multidões de desinformados e também de desonestos e aproveitadores como eles. A princípio isso nos dá medo. Mas, ao perceber que a realidade não pode ser camuflada à perfeição e novas manifestações começam a ser gestadas, nas ruas, nos campos de futebol, nas escolas e até mesmo nas igrejas, podemos nos animar a, no meio das trevas, olhar em direção da luz. Da mesma forma que Anne Frank, em seu diário, escreveu, em meio a toda a desgraça que o destino a submeteu, ainda tão jovem, escreveu que, apesar de tudo, ainda acreditava na bondade humana, temos todos os motivos para, no meio das trevas do obscurantismo, crer na razão que constrói a democracia em nossa convivência social.
Antonio Carlos Rodrigues de Moraes, professor aposentado é ex-professor de História das redes estadual e municipal em Campinas
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