Política

TU. ESTÁS VIVO?

Hilda Hilst

"A unidade do pensar e do ser só tem sentido e
verdade quando se concebe o homem como
fundamento, como sujeito dessa unidade." 
                                     LUDWIG FEUERBACH

Pensar "Política" deveria ser uma nova maneira de pensar. O ranço colado às palavras do universo político é cada vez mais ardente e tosco. "Política" do nosso tempo se parece a uma perua velha preocupada com o par de brincos do amanhã, se vai ou não usar na festa do "arraíar" do seo Quinzó. Diretas e esquerdas, ismos de todos os calibres, rótulos se desfazendo como as rendas no baú da vozinha. A palavra "partido" soa grosso rígido emporcalhado como certamente seria o porongo de um Neandertal do Cáucaso, ou um pulha daqui mesmo, estuprador.

O importante é dar vida, abastança, dignidade, trabalho e esperança ao ser humano. O importante é arrancar as máscaras, recriar ação e palavra, mover-se corajoso, nítido, íntegro. Os cínicos dirão: isso não é Política, é poesia e ingenuidade. Que seja. É assim que seria para mim o verdadeiro homem político: poeta no seu sentido mais fundo, intenso e livre. Ingênuo a ponto de tomar para si mesmo a dor do outro. E tentar extirpá-la.


Tudo vive em mim. Tudo se entranha.
Na minha tumultuada vida. E porisso
Não te enganas homem, meu irmão,
Quando dizes na noite, que só a mim me vejo,
Vendo-me a mim, a ti. E a esses que passam
Nas manhãs, carregados de medo, de pobreza,
O olhar aguado, todos eles em mim,
Porque o poeta é o irmão do escondido das gentes
Descobre além da aparência, é antes de tudo
LIVRE, e por isso conhece. Quando o poeta fala
Fala do seu quarto, não fala do palanque,
Não está no Comício, não deseja riqueza
Não barganha, sabe que o ouro é sangue
Tem os olhos do espírito do homem
No possível infinito. Sabe de cada um
A própria fome. E porque é assim, eu te peço:
Escuta-me. Olha-me. Enquanto vive um poeta
O homem está vivo*.
                                 (domingo, 15 de maio de 1994)

*"Poemas aos homens do nosso tempo", in Júbilo, memória, noviciado
da paixão. 2. ed. São Paulo, Globo, 2001.


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