Paulo Reis dos Santos coordenou as Políticas Públicas para a
Diversidade Sexual da Prefeitura de Campinas e antes foi Coordenador do Centro
de Referência de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT).
Hoje realiza a pesquisa “Homossexualismo
e loucura na cidade de Campinas na primeira metade do século XX: A psiquiatria
a serviço do dispositivo heteronormativo”.
Mas o tema da entrevista é a
homossexualidade em outro início de século, agora, segunda década do novo
milênio, quando o casamento gay, no Brasil, tornou-se uma norma. Paulo Reis é mas
sou um dos fundadores do Grupo Identidade, de Campinas e da Associação da
Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, que organiza a Parada Gay de São Paulo. Confira
a íntegra da entrevista:
Eli Fernandes - O que você como ativista pelos
direitos da Comunidade LGBT pensa sobre esta decisão do Conselho Nacional de
Justiça que normatiza o casamento gay?
Paulo Reis dos Santos - Esta resolução do CNJ vem
regulamentar a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que iguala as uniões civis entre pessoas do
mesmo sexo às uniões civis entre heterossexuais, mas ela ainda precisa ser
publicada no “Diário da Justiça” e ainda não tem data prevista. Esta resolução
determina que todos os cartórios civis do país realizem o casamento entre
pessoas do mesmo sexo. Esta decisão coloca o Brasil no século XXI. Ela é fruto
de mais de três décadas de luta do movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis e Transexuais) pelo reconhecimento da cidadania desta população. Mas é bom salientar que ela se refere a um
direito civil e à cidadania, sacramento é um ritual religioso e cada igreja ou
responsável por ela decide se realiza este ritual ou não.
Em São Paulo a norma já vale por decisão do
Tribunal de Justiça do Estado. Como está na prática o cumprimento?
Paulo Reis - A
Prefeitura de Campinas através da Coordenadoria de Políticas Públicas para a
Diversidade Sexual e do Centro de Referência LGBT organizaram o primeiro
casamento coletivo homoafetivo do Estado de São Paulo, em 21 de março. Após a
realização de uma pesquisa constatamos que apenas dois dos cinco Cartórios da
cidade realizavam o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Assim este casamento
coletivo vinha sendo organizado desde meados de 2012 e tinha como fundamento
divulgar a decisão do STF para a comunidade LGBT da cidade e forçar os
Cartórios Civis da cidade a realizá-lo. No Brasil, até hoje competia ao Juiz Corregedor
decidir se o Cartório realizaria ou não o casamento entre pessoas do mesmo
sexo. Exceção da Paraíba, Santa Catarina, Rio de Janeiro. Em São Paulo o casamento e
união estável foram inseridos nas previsões das Normas de Serviço da
Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo e passaram a valer em primeiro de março.
Qual o reflexo que estas conquistas podem trazer?
Paulo Reis - Agora os
casais homoafetivos têm garantida uma série de direitos que antes eram reservados
somente aos casais heterossexuais, como comunhão parcial de bens, pensão
alimentícia, pensão do INSS, inclusão dos parceiros nos Planos de Saúde,
declaração conjunta de Imposto de Renda, adoção conjunta etc. Segundo a ABGLT
os casais do mesmo sexo até hoje tinham 78 direitos negados que agora o Estado Brasileiro
passa a assegurar.
Você considera que vai trazer mais ou menos
mobilização pela cidadania de LGBTs?
Paulo Reis - Não basta
existir uma Lei, Norma, Decreto ou qualquer outro marco legal para que a
cidadania das populações vulneráveis seja exercida e respeitada. Um texto é
apenas um punhado de palavras, e para que elas passem a ter uma existência real
é necessário que as pessoas se apropriem do seu conteúdo e se transformem em
cidadãos e cidadãs, conhecedoras de seus direitos, então o trabalho da
militância LGBT deverá ser focado da divulgação desta normativa. Mas não
devemos nos esquecer de que vivemos numa época em que o fundamentalismo
religioso tem ganhado muito espaço e que nós, comunidade LGBT, somos o alvo
preferencial de suas ações. Agora eles pegarão mais pesado, ainda, e utilizarão
esta decisão do CNJ como moeda de troca para aprovar projetos importantes para
o governo federal e embargar a pauta de votação, além do que destilarão toda
sorte de impropérios sobre lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.
Como você compara os períodos, atual, da decisão do
CNJ e a do recorte que você faz em sua pesquisa/tese?
Paulo Reis - Estou
fazendo doutorado na Faculdade de Educação da Unicamp, no GEISH – Grupo de
Estudo Interdisciplinar de Sexualidade Humana, onde pesquiso o discurso e a
prática psiquiátrica sobre a homossexualidade na virada do século XIX para o
XX. Nesta época o homossexualismo era considerado uma doença catalogada. Estou
pesquisando os prontuários dos sanatórios e hospitais psiquiátricos onde busco
descortinar qual o tratamento dispensado para a cura da homossexualidade. Nesta
época o Brasil vivia a primeira onda da República e com ela uma necessidade de
modernização das cidades pairava no ar. E a modernidade exigia um controle dos
corpos e a heterossexualidade foi elevada à norma, onde os casais deveriam
procriar, pois o país precisava de braços para a indústria e para o
desenvolvimento da nação. Os sodomitas, condenados pela igreja se transformaram
em degenerados que precisavam ser conduzidos à norma heterossexual. Hoje o
cenário é outro: Em
1973 a APA (American Psychiatric Association) retirou a homossexualidade do seu
"Manual de Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais” (DSM); em 1975
foi a vez da Associação Americana de Psicologia retirá-la do rol de transtornos
mentais; em 1985 foi o Conselho Federal de Medicina brasileiro que a eliminou
da condição de desvio sexual; em 17 de maio de 1990, a Organização Mundial de
Saúde retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças, CID
– 10; em 1991, a Anistia Internacional passou a catalogar a
discriminação contra homossexuais como uma violação aos Direitos
Humanos. Em 1999, no Brasil, o Conselho Federal de Psicologia
estabeleceu a Resolução 001/99, que regulamentou a prática do
psicólogo na questão da diversidade sexual, proibindo qualquer patologização da
homossexualidade por parte dos psicólogos.
Em 2004, a Secretaria Especial de Direitos
Humanos da Presidência da República, lançou o Programa Brasil sem Homofobia; em
2006, com o tema "Homofobia é Crime!
Direitos Sexuais são Direitos Humanos", a
Parada do Orgulho LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) de
São Paulo, com público estimado pela Polícia Militar de 2,5 milhões de pessoas.
Os organizadores estimaram em três milhões. Entrou para o Guiness Book
como a maior Parada Gay do mundo. Em
cinco de maio de 2011 os ministros do STF - Supremo Tribunal Federal -
reconheceram que a união estável entre pessoas do mesmo sexo é uma
"família" e equipararam-na juridicamente a união estável de um casal
heterossexual, abrindo precedentes para a regulamentação do casamento entre
pessoas do mesmo sexo. E hoje o Conselho Nacional de Justiça O CNJ (Conselho
Nacional de Justiça) aprovou a resolução que determina que cartórios civis
sejam obrigados a celebrar casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
Digo tudo isto para deixar claro que
há cem, cento e cinquenta anos atrás, o cenário era mais obscuro e os
homossexuais nem eram considerados humanos. O movimento LGBT lutou muito,
alcançou grandes conquistas, mas ainda há muito a ser conquistado para que
desejos e afetos não diferenciem humanos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário