Bispo do Rosário



"Bispo do Rosário. Não se sabe ao certo a origem deste sobrenome, mas não poderia ser mais adequado ao interno que passou praticamente 50 anos na Colônia Juliano Moreira, instituição manicomial localizada em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Arhur Bispo do Rosário foi diagnosticado em 1939 como esquizofrênico paranoico e passou boa parte de sua vida em um delírio místico no qual via-se como o próprio Jesus Cristo.
Dentro deste mundo, para onde escorregou aos 29 anos, desde o início uma voz lhe dava instruções para que ordenasse e catalogasse as as coisas que havia sobre a terra, até o dia do juízo final, em que tudo se acabaria ele subiria aos céus, erguido por anjos. No dia em que pela primeira vez foi recolhido a um manicômio, 24 de dezembro de 1938, Bispo do Rosário era conduzido por um séquito de sete anjos em um cortejo pelo centro do Rio de Janeiro.
A urgência em reordenar e representar tudo quanto houvesse no mundo ocupou dias e noites de Arthur Bispo do Rosário ao longo das cinco décadas seguintes. E foi seu combustível para enfrentar as adversidades e o sofrimento psíquico. Respeitado pelos funcionários e internos da Colônia Juliano Moreira, onde também era chamado de 'xerife' (por auxiliar os enfermeiros e funcionários em tarefas como ordenar as filas das refeições ou mesmo na medicação de outros internos), Bispo antecipou a terapia ocupacional implantada pela psiquiatra Nise da Silveira na década de 40, produzindo freneticamente com o que tinha à mão. Quando sentia que as crises de esquizofrenia se aproximavam, pedia para ser trancado em sua cela-forte, e ali ficava, muitas vezes ao longo de meses.
A cela vira ateliê
Com o tempo, a cela-forte transformou-se no ateliê de Bispo. Suas criações seguiam a economia do possível, dentro de um local que em muitos aspectos se assemelhava a uma prisão. Nos primeiros tempos, seus bordados eram feitos com a linha azul dos uniformes da colônia, pacientemente desfiados. Depois os próprios funcionários, encantados com seus trabalhos, faziam questão de auxiliá-lo na obtenção de matéria-prima.
Também os internos lhe forneciam, pelo sistema de escambo, materiais - colheres, canecas, botas sete-léguas, bonecas e objetos dos mais variados - que viriam a compor suas 'vitrines' ou 'asssemblages', como classificaria a crítica de arte mais tarde. Os pedaços de madeira, recolhidos no imenso terreno da colônia, viravam objetos lúdicos, como carrinhos, carrosséis, navios ... Nos estandartes e no famoso 'manto da apresentação' peça que deveria vestir no momento em que ascendesse aos céus, Bispo não apenas cataloga o mundo que conhece, mas seu próprio passado, com referências às época da juventude, quando esteve na Marinha e também lutou boxe de forma semiprofissional. E inventaria pessoas que conheceu ao longo da vida e que deveriam ser salvas no dia do juízo final, bordando seus nomes nas peças. O lado avesso do manto da apresentação, por exemplo, é recoberto com centenas de nomes bordados no indefectível azul dos uniformes da colônia. 
Embora Bispo nunca falasse sobre suas origens, a cidade em que nasceu, Japaratuba, no Sergipe, de forte tradição católica e reconhecida pela arte de seus bordados, transparece em cada peça."

Texto extraído do Catálogo VII Prêmio Arthur Bispo do Rosário do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo


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