Oxigênio


​Eli Fernandes

Era como uma caixa de sapatos fechada e cheia de ratos, agredindo-se uns aos outros. O cheiro de sangue subia pelas narinas e entorpecia, causava arrepios por todo o corpo.

A ideia de permanecer ali, trancado, era mesmo insuportável. A ideia de voltar a sentir ar fresco batendo no rosto encorajava suportar as trocas de ofensas e agressões mútuas.

Aos poucos a situação ia se suavizando e elas pareciam perder força em seus argumentos repetitivos. Enfim a liberdade e por minutos a vontade de permanecer caminhando pelas ruas.

Mas daí o cansaço e a vontade de encontrar-me com minha cama, quarto com janela aberta, o barulhos das folhas das árvores e até uma leve chuva caindo sobre as telhas e em cima das plantas do corredor que separava as duas casas.

As pessoas andavam pela calçada, agora, de um lado para o outro, nervosas, violentas, feias e empunhando os telefones como se usassem armas letais contra aquela minha vontade de sair e respirar o mais puro oxigênio. Foi o que fiz. Uma inspiração profunda encheu meus pulmões de ar. Solto o ar que vai encontrar em algum momento as folhas das árvores, agora a me acariciar com as folhas dos galhos mais baixos.

É noite e às mulheres juntaram-se homens fardados.

O retorno não é fácil. Volto mais manso, mais confortável, talvez.O reencontro com a cena inicial é inevitável. Inevitável também o desenrolar do roteiro até previsível. A viatura já aguarda de portas abertas. Apesar de pouco convidativo o passeio termina em um lotado hospital. O pronto socorro e novamente a sensação do cheiro de sangue no ar.

As mentes colocadas a reproduzir conteúdos repetidos na TV faziam ali mais uma vítima. Ou mais uma vez a mesma vítima. Até que a fisgada faz acordar. O remédio (ou seria veneno?) vai sendo injetado no corpo. Um "zepan" qualquer amolece os movimentos. Uma forma estranha de conter a vontade de viver.

Liberado. A enfermeira se afasta. De pé, novamente, já é possível ver a confusão à recepção da enfermaria. E até um sorriso aparecer num canto da boca: Hora de ir embora.

A liberdade já se foi O que segue é um zumbi que por instantes, quando ainda gente, gostaria de sair às ruas sentir um pouco de ar fresco e paz.

(Texto originalmente produzido para a Oficina de Artes Plásticas Expressivas e Escrita Criativa, ministrada pelos jornalistas Monica Kimura e Celso Falaschi no Casarão Cultural Pau-Preto, em Indaiatuba SP)

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